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JÖRG HAIDER: UMA ESFINGE FIN-DE-SIÈCLE?

Muniz Gonçalves Ferreira

(Professor do Depto. de História da UFBA)

 

Um novo espectro ronda a Europa?

Desde o início de fevereiro deste ano, a vida política européia vem sendo afetada por um surpreendente abalo. O estabelecimento do gabinete de coalizão entre o Partido Popular Austríaco (ÖVP),1 de orientação conservadora, e o Partido da Liberdade (FPÖ),2 liderado por Jörg Haider, representou o retorno da extrema direita ao poder, no mundo de língua alemã, 55 anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e 67 anos após a ascensão de Hitler. Tal coligação se constituiu na seqüência do fracasso de um governo formado pelos mesmos conservadores do ÖVP em aliança com os social-democratas austríacos (SPÖ). Esta aliança entrou em crise devido à discordância social-democrata em levar adiante uma política recessiva de ajuste econômico, privatizações, desregulação da economia e cortes de gastos sociais proposta pelos conservadores (ÖVP). Um processo aparentemente usual nas democracias representativas e isento de maiores implicações políticas, neste caso, no entanto, adquire um significado simbólico bastante expressivo do ponto de vista histórico. Fenômeno análogo aconteceu na República de Weimar às vésperas da emersão dos nacional-socialistas ao poder. A chamada "grande coalizão", formada pelos conservadores do Partido Nacional Popular Alemão (DNVP) e o Partido Social-Democrata (SPD), governou a Alemanha de 1928 a 1930 quando foi rompida em razão de divergências entre os dois partidos acerca do financiamento das políticas sociais de amparo aos desempregados. Na ocasião, o poderoso SPD abandonou o governo, acusando os conservadores do DNVP de pretenderem governar em benefício exclusivo do grande capital. Esta deserção acentuou as convergências entre as forças da direita moderada e os conservadores de centro direita com o emergente Partido Nacional Socialista (NSDAP), que conduziria ao triunfo uma coalizão de direita, encabeçada por estes últimos, nas eleições de novembro de 1932.3

As correlações entre os processos aqui mencionados adquirem maior realce quando se observa a presença de traços filo-nazistas no discurso político do atual líder do FPÖ e se atenta para as circunstâncias em que o também austríaco Adolf Hitler galgou o poder em 1933, utilizando a institucionalidade democrática vigente na Alemanha de então e contando com o apoio de forças conservadoras similares às que participam do atual governo da Áustria. Mas, serão essas as razões pelas quais o mundo político europeu ocidental tem reagido com tanta hostilidade à composição do novo gabinete de Viena? Serão as convergências históricas destacadas acima suficientes para engendrar o temor de uma ressurgência germano-fascista na Europa Centro-Oriental? Nas linhas que se seguirão, tentarei desenvolver uma análise que, na precariedade de suas limitações, procurará oferecer alguns elementos para estimular a reflexão sobre uma questão sugerida pelos acontecimentos: SERÁ HAIDER UM NOVO HITLER?

A Coalizão ÖVP-FPÖ: um fato novo na Europa Comunitária?

Há mais de meio século não se observava uma mobilização tão grande contra a constituição de um governo europeu. Manifestações de protesto organizadas por forças progressistas e de esquerda, grupos de defesa dos direitos humanos, organizações anti-racistas e movimentos sociais variados expressaram o repúdio da opinião pública democrática contra o acesso ao poder de uma corrente política identificada, desde longa data, com a adoção de posturas xenófobas, reacionárias e chauvinistas. Décadas de cordial, mas nem sempre sincera, convivência entre governos de diferentes colorações políticas e declarações de fé nos princípios de não ingerência nos assuntos internos de outros estados parecem ter chegado ao fim com a transformação da chegada ao poder dos partidários de Jörg Haider em uma questão internacional. Mais curioso ainda é o fato de que, a nível governamental, a vanguarda das denúncias contra o ministério ÖVP-FPÖ ter sido ocupada por uma força reconhecidamente conservadora: o governo RPR (gaulista) de Jacques Chirac. Foi do governo francês que partiram as propostas mais contundentes em favor da imposição de sanções contra a Áustria, incluindo a ruptura de relações por parte dos demais estados membros da União Européia e a suspensão da participação austríaca nesta entidade. Reação esta que, por sua dureza, contrasta com a postura muito mais branda adotada, por exemplo, pelos governos da aliança entre social-democratas e verdes da Alemanha, pelos neotrabalhistas liderados por Blair na Inglaterra e, sobretudo, pela coalizão de centro esquerda encabeçada pelos pós-comunistas do PDS italiano.

Com a repercussão mundial adquirida por tais eventos alguns analistas da grande imprensa internacional procuraram interpretar as razões de tão ampla e decidida oposição erguida por algumas das forças mencionadas contra o ingresso do Partido da Liberdade no governo da Áustria. A explicação para a fúria das ruas era encontrada com facilidade: tratava-se do aproveitamento de uma oportunidade singular de conquista de notoriedade por parte de correntes minoritárias da extrema esquerda, em aliança com pequenos grupos de ativistas sociais privados de visibilidade nos quadros das estáveis democracias européias. Já a compreensão para o áspero descontentamento manifestado por governos "responsáveis e maduros" dentro e fora da União Européia (Israel retirou seu embaixador de Viena) adviria de uma identificação - talvez precipitada, segundo tais observadores -, estabelecida pelos governos já mencionados, entre os partidários de Jörg Haider e os artífices do 3o Reich, decorrente da possível supervalorização de infelizes declarações feitas no passado pelo líder do Partido da Liberdade em defesa das políticas do 3o Reich e elogiando membros das SS. Além disso, conforme têm afirmado com insistência certas análises publicadas na grande imprensa ocidental, tratar-se-ia do primeiro movimento de ultradireita a galgar o poder na Europa desde o fim da Segunda Guerra Mundial. São interpretações problemáticas, primeiro porque a tradicional má vontade dos jornalões ocidentais menospreza o fato de que, em países como a França, a Alemanha e a própria Áustria, as manifestações contra o governo de Haider contaram com o concurso não apenas de grupelhos de radicais sedentos de notoriedade, mas também de personalidades e movimentos sociais e culturais representativos destas sociedades, além, e claro, da militância dos partidos democráticos e de esquerda destes países (social-democratas na Alemanha, socialistas e comunistas na França), quando não da própria direção destes partidos, caso do SPÖ na própria Áustria. Em segundo lugar, explica tais reações pelo suposto ineditismo representado pelo retorno da extrema direita ao poder pela primeira vez na Europa Comunitária, esquecendo o fato de que, há seis anos atrás (1994), na Itália, os neofascistas da Aliança Nacional, antigo Movimento Social Italiano, liderados por Gianfranco Fini, já participavam do governo organizado sob a chefia do magnata das comunicações Silvio Berlusconi.

Analistas situados mais à esquerda propuseram outras leituras. Para alguns destes, a dureza exibida por um conservador como Chirac no episódio teria um fundamento essencialmente explicável no âmbito da política interna de cada país. Seria uma tentativa de, através do isolamento da Áustria, evitar que o crescimento da extrema direita européia adquira as características de um contágio, capaz de contaminar o sistema político de países que convivem com a presença de fortes movimentos alinhados com tal tendência em seu interior, como seria o caso do próprio Front National de Jean-Marie Le Pen na França, do Vlaams Blok, liderado por Karell Dillen na Bélgica, da Union Démocratique de Centre na Suíça e do Partido do Povo Dinamarquês entre outros. A apreensão conservadora adviria do fato bem conhecido de que tanto estas forças da direita moderada quanto seus rivais ultradireitistas concorrerem fundamentalmente pelos votos da mesma faixa do eleitorado. Outra explicação oferecida pelos analistas situados mais à esquerda interpreta o repúdio à ascensão do FPÖ à luz das preocupações ocidentais com a legitimação do status quo europeu através da adesão da totalidade dos países da União Européia aos "valores" europeus (democracia política, liberdades individuais, livre mercado, respeito à legalidade institucional, compromisso com a preservação da paz, etc.). De acordo com esta hipótese, o ataque ao FPÖ representaria a continuidade de uma suposta linha de coerência adotada por ocasião da formação da aliança anti-Milosevic, apresentado, à época, por estes mesmos círculos liberais conservadores (e mesmo por algumas forças democráticas e de esquerda como o PDS italiano) como um governo xenófobo, hegemonista e racista, dotado, portanto, de características também imputadas ao Partido da Liberdade. Nestas considerações, a reprovação ao novo gabinete austríaco seria uma forma de legitimar as ações de policiamento internacional empreendidas e/ou apoiadas pelos mencionados governos na região balcânica. Ações estas muitas vezes tida como questionáveis e controvertidas, para dizer o mínimo, por setores representativos da opinião pública dos respectivos países.

Pessoalmente, sou levado a acreditar que este último argumento padece de alguns problemas estruturais. A despeito da eficiência relativa dos instrumentos de produção e reprodução de imagens e representações à disposição dos círculos dirigentes dos estados membros da OTAN, a possibilidade de identificação Milosevic-Haider, PS Sérvio-FPÖ, esbarra em limitações estruturais. Como já foi observado alhures, por mais indefensáveis que sejam as inclinações expansionistas e autoritárias do grupo de Milosevic, não é absolutamente fácil estabelecer um consenso que, para além de aparências hipertrofiadas e manipuladas pelas grandes agências de comunicação do ocidente, assimile suas pretensões e sua prática ao chauvinismo da ultradireita européia. Pior ainda, a não ser aos olhos de observadores estruturalmente comprometidos ou irremediavelmente mal informados, não se pode assimilar às tradições chauvinistas da extrema-direita européia uma entidade política que, apesar dos pesares, reclama o legado da luta anti-hitlerista do marechal Tito. Principalmente quando, para além da manipulação interessada do discurso hegemônico no ocidente, é possível reconhecer por detrás de alguns dos adversários do governo sérvio a sombra do colaboracionismo esloveno-croata da 2a Guerra Mundial, solidariedades muçulmano-integristas na Bósnia e o regressivismo tribal e mafioso albano-kossovar, além, é claro, de forças sinceramente interessadas na paz e na democracia. Já no que se refere à dureza do posicionamento adotado por países como a França e a Bélgica, também creio que é possível localizar justificativas mais consistentes. Ainda permanecem vivas no imaginário destas sociedades as lembranças de guerras, derrotas e ocupações militares impostas pela coalizão austro-alemã. Tais recordações possuem o condão não apenas de apavorar o cidadão comum, mas também de mobilizar o ânimo dos círculos dirigentes em função da preservação da integridade territorial e da soberania destes estados. À luz de tais percepções, o pangermanismo aparece como um demônio a ser exorcizado e o ultranacionalismo austro-alemão como um surto a ser erradicado.

Mas, se o espectro da ressurgência fascista aliada à profissão de fé na necessidade da defesa da segurança, da estabilidade e dos "valores europeus" constitui um fator relevante de legitimação política na Europa dos 15, ainda cabe indagar: o que existe de verdadeiro na denúncia do nazismo redivivo dos seguidores de Jörg Haider?

O nazismo do FPÖ - mito ou realidade?

"Sempre estive à direita, mesmo no Partido Nazista"

Otto Scrinzi, ex-integrante do NSDAP e do FPÖ.

O Freiheitliche Partei Österreichs integra, inequivocamente, o campo político da ultradireita européia. Suas origens remontam aos meados dos anos cinqüenta e ocorrem no contexto da eliminação das restrições impostas pelas potências aliadas à atuação política de indivíduos outrora organicamente vinculados às instituições do Reich de Hitler. Diga-se de passagem, em nenhum outro lugar da Europa, ex-militantes nazistas e servidores do III Reich foram reabilitados de forma tão abrangente e profunda quanto na Áustria. Do ponto de vista dos aliados, a concentração das responsabilidades pela deflagração da Segunda Guerra Mundial e pelos crimes nazistas sobre os ombros da Alemanha conduziu a uma minimização das responsabilidades austríacas na barbárie germano-fascista. Isto, por sua vez, propiciou uma atmosfera de reconciliação interna que lançou um manto de esquecimento sobre o passado recente do país e encorajou uma rápida absorção de personalidades comprometidas com o regime derrotado pela institucionalidade democrática austríaca do pós-guerra. Por isso, já no período de reconstrução, havia se constituído a Liga dos Independentes, liderada por pangermanistas de extrema direita e antigos quadros nazistas, em repúdio à ocupação da Áustria por forças aliadas (inclusive soviéticas) e a sua subordinação econômica, política e cultural às potências ocidentais. O Partido da Liberdade surgiu em 1956 procurando, enquanto instrumento de intervenção política, materializar os ideais defendidos pela Liga dos Independentes no âmbito sócio-cultural. Seu primeiro líder nacional foi Anton Reinhalter, antigo integrante da administração nazista do país durante a guerra. Após sua morte, Friedrich Peter, ex-oficial das SS, assumiu a liderança da organização. Entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, o FPÖ conheceu uma inflexão em sua orientação política, substituindo os slogans pangermanistas de seu discurso pelo ultranacionalismo austríaco, sem eliminar, no entanto, suas ligações com grupos e organizações abertamente nazistas que atuavam no âmbito extra parlamentar.

Nas três décadas seguintes, o partido avançou na definição de suas bandeiras e propostas, eliminando de seu programa todos os elementos que pudessem estigmatizá-lo aos olhos da cultura política conservadora da Áustria. A própria ascensão de Jörg Haider (ele mesmo filho de um antigo quadro da administração nazista, convertido em industrial no pós-guerra) acelerou o processo de "aggiornamento" do discurso político da agremiação. Sua linguagem racista superou vantajosamente o legado do anti-semitismo e do universalismo hierárquico característico do nazismo alemão da primeira metade do século, passando a privilegiar a xenofobia, o exclusivismo austríaco e o etno-diferencialismo, bandeira cada vez mais comum, utilizada pelos movimentos racistas e (tragicamente) mesmo anti-racistas da atualidade. Esta inflexão ideológica reduziu à insignificância o anti-semitismo, pedra de toque do nazismo enquanto tal, tanto ontem quanto hoje, permitindo que, tempos atrás, um dos líderes máximos do FPÖ, o milionário Thomas Prinzhorn, respondesse alegremente às acusações de anti-semitismo dirigidas ao Partido, acenando com a origem judaica de sua própria mulher. Esta atualização político-ideológica, inclusive, conquistou para o Partido da Liberdade a simpatia de setores do establishment judeu conservador internacional, como se pode atestar pela leitura da carta que o Rabino Morton H. Pomerantz se dignou a publicar, via internet, na home page do FPÖ 4. Mutatis mutantis, o partido manteve uma postura inabalável de combate à imigração estrangeira na Áustria, hoje composta, em sua grande maioria, por refugiados das crises do Terceiro Mundo, da desintegração dos regimes do "socialismo real" da Europa do Leste e dos conflitos étnicos mundo afora. É no enfrentamento desta questão que Haider e seus partidários exibem a permanência de suas perspectivas seminalmente racistas. Em um de seus discursos de campanha durante a última eleição, o então presidente do FPÖ denunciava que a Áustria estaria sofrendo uma "Überfremdung", ou seja, invasão estrangeira. Quase simultaneamente, o já citado Sr. Prinzhorn, do alto de sua consciência isenta de culpa do cultivo de idéias anti-semitas, conquistava celebridade ao acusar os estrangeiros residentes na Áustria de fazerem uso de hormônios para incrementar sua taxa de natalidade com a finalidade de superar o nível de crescimento populacional dos austríacos nativos, preparando assim o caminho para a dominação do país. Propunha, em contrapartida, um referendo nacional sobre a situação dos estrangeiros na Áustria, a repatriação imediata de todos os imigrantes que estivessem desempregados e a adoção de uma política de "imigração zero". São posições que situam o tipo de ideologia cultivada pelo FPÖ na geografia global das concepções raciais da pós-modernidade: o racismo universalista que proclamava a superioridade de uma raça sobre as outras e o direito daquela de dominar estas, geralmente em nome da "civilização" e do "progresso", cede seu posto à nova voga de racismo exclusivista, diferencialista e identitário, baseado na reivindicação da ancestralidade (no caso, a germânica) e na defesa do direito à diferença. Adversário visceral da convivência na diversidade, da integração entre os povos e dos intercâmbios culturais entre diferentes o FPÖ enfatiza que "rejeitamos as experiências multiculturais que conduzem à desordem social" e declara: "somos favoráveis a que cada povo disponha de seus próprios direitos e de sua própria identidade em seu próprio território."5

Nos temas referentes aos direitos civis, liberdade de escolha e livre orientação sexual, o Partido da Liberdade perfila, sem maiores surpresas, com as demais forças conservadoras do mundo no combate ao direito ao aborto, na oposição às reivindicações feministas, na pouca sensibilidade para com as questões ecológicas e na condenação do homossexualismo. O partido tem defendido diligentemente uma política de "tolerância zero" para delitos menores, reivindicando penas draconianas para pequenos furtos, ao passo que faz vistas grossas para os crimes financeiros e escândalos de corrupção, os quais, diga-se de passagem, não têm poupado sua própria estrutura organizativa.6 Seus parlamentares defendem a reeducação pelo trabalho para viciados em drogas e opõem-se decididamente a que se reduza para menos de 18, a idade legal para a prática de atividades homossexuais.

São conhecidos os elogios que, anos atrás, Haider dirigiu à política econômica do Terceiro Reich. Hoje, no entanto, a orientação defendida pelo homem forte do FPÖ se distancia abertamente dos princípios que inspiravam a gestão da economia na Alemanha hitleriana. Seu ingresso no governo da Áustria se dá, como já foi dito, na seqüência do fracasso da tentativa de radicalização das políticas de ajuste neoliberal pela coalizão ÖVP-SPÖ. Tal fracasso se deveu à resistência do SPÖ em investir contra os direitos sociais e os alicerces do Estado de Bem Estar constituído na Áustria ao longo de mais de 30 anos de hegemonia social-democrata no governo. Pressionado por sua numerosa base social, composta predominantemente pelos trabalhadores austríacos, o SPÖ, diferentemente dos neotrabalhistas ingleses e outras formações social-democratas mais "à direita", não se integrou ao movimento da "3a via" e recusou-se a implementar as políticas de ajuste neoliberal no país, o que levou à crise da coalizão governamental, à queda do governo, e às eleições que culminaram no triunfo eleitoral dos partidários de Haider e na formação do novo governo ÖVP-FPÖ.7 É neste contexto que o Partido da Liberdade se oferece para executar na Áustria, vinte anos depois, o programa de reformas econômicas que as forças conservadoras mais tradicionais já haviam implementado em outras partes da Europa. Esta iniciativa não deixa, contudo, de ser paradoxal, se considerarmos que tais reformas, por seu conteúdo ultraliberalizante em termos econômicos, conflitam com as tradições protecionistas, intervencionistas e até remotamente organicistas presentes na matriz da cultura política conservadora euro-ocidental. Porém, desde que a Sra. Thatcher, do cume do establishment conservador inglês, assumiu o compromisso com a realização do programa neoliberal, a consciência conservadora européia tem conseguido esconjurar satisfatoriamente aquilo que para seus antecessores do século XIX seria um paradoxo diabólico. Sob este ponto de vista, portanto, conservadores, liberais e neoliberais do ocidente não precisam temer qualquer inclinação nazista de Haider. As propostas econômicas de seu partido apontam para a abolição do sistema de "parceria social" que, estabelecido no país há mais de quatro décadas, constitui a pedra angular do estado de bem estar social no país. Inversamente, o programa do FPÖ prevê cortes drásticos no orçamento social, redução no valor das aposentadorias e ampliação da idade mínima para a solicitação do benefício, privatização de empresas nacionalizadas, reforma no sistema de impostos visando reduzir a contribuição social das empresas, a flexibilização dos direitos dos trabalhadores, a diminuição das despesas com seguro desemprego, etc. Em outras palavras, a mais genuína e cristalina ortodoxia neoliberal.

Conservador no âmbito social e neoliberal em sua visão econômica, Haider e seu partido cultivam, no entanto, uma herança ideológica distinta e temerária aos olhos da política conservadora européia e mesmo da direita radical dos países do ocidente. Trata-se dos vestígios da cultura völkish, persistentes na base do pensamento da direita germânica e, em particular, no FPÖ. As origens desta tradição remontam ao início do século XIX. Na ocasião, o tema da unificação dos vários estados alemães em uma única unidade política atraía a atenção de pensadores que formulavam diferentes proposições acerca dos caminhos a serem seguidos por tal processo. Tais proposições, por sua vez, expressavam distintas interpretações do significado da idéia de nação no mundo alemão e atribuíam conteúdos diferenciados aos conceitos basilares de Estado, povo e nacionalidade. A mais antiga e difundida destas concepções era a desposada pela maior parte dos círculos dirigentes dos estados que compunham o universo germânico. Tratava-se de uma leitura, segundo a qual, os atributos atualmente relacionados à nacionalidade eram vistos como um apanágio exclusivo dos "estados soberanos", ou seja, estados monárquicos absolutos, em lugar da noção de "soberania popular" emanada das revoluções políticas dos séculos XVII e XVIII. Nesta acepção, as expressões "Staat" (Estado) e "Nation" (nação) adquiriam sentidos equivalentes. Ambos os conceitos indicavam a existência de uma instância política que exercia sua autoridade soberana no interior de fronteiras territoriais internacionalmente reconhecidas.

No interior de tal ambiente político-cultural, foram lançadas as bases daquilo que contemporaneamente poderíamos classificar como um conceito "étnico de nação". O precursor de tal formulação foi o escritor Johann Gottfried Herder. Em escritos elaborados ainda no final do século XVIII, Herder anunciou os fundamentos de uma concepção através da qual a nação era vista como uma comunidade organicamente unificada em torno de uma língua e uma cultura comuns, mas não de laços de sangue. Significativamente, sua perspectiva "nacional" carecia de manifestações expressas de chauvinismo ou exclusivismo nacionais. Para ele, cada nação européia deveria se afirmar pacificamente em um contexto continental pluralista e harmônico.8

Ora, se as guerras napoleônicas significaram, do ponto de vista histórico, um movimento de extensão de certos valores da Grande Revolução Francesa ao conjunto do continente europeu, sua manifestação objetiva mais palpável era o expansionismo imperial, sobretudo para as populações convertidas em seu objeto. A percepção deste fato, como já foi afirmado, produziria todo um movimento reflexo de emergência de um sentimento nacional anti-bonapartista nas regiões subjugadas. É no marco de tal emersão que se situa a conclamação de J. G. Fichte, Reden an die deutsche Nation (Discurso à Nação Alemã) de 1808, enquanto manifestação mais acabada do desenvolvimento de um corpo de idéias a partir do qual a descendência comum e a linguagem, mais do que valores culturais assimilados e reivindicados, passariam a constituir os fundamentos da comunidade nacional alemã. De acordo com esta nova concepção, a nação aparecia como uma entidade mais densa e ampla do que os estados alemães existentes: uma comunidade de língua e cultura compartilhadas por todos os alemães para além da fragmentação político-institucional do mundo germânico.

Embora esta última formulação possuísse um aspecto essencialmente espiritual, ou seja, não se engajasse na explicitação de uma solução política para o problema da unificação alemã, seus principais mentores, os literatos românticos como Fichte, Arndt, Jahn entre outros, ao tangenciarem em seus escritos as questões de ordem política, freqüentemente associavam a essência da nacionalidade germânica a instituições autoritárias e a rígidas hierarquias sociais, o que conferia às suas idéias um caráter fundamentalmente conservador.9 É na esteira destas manifestações de pensamento que vai se desenvolver, no âmbito do discurso político, o chamado romantismo völkish. Esta ideologia política identificava o povo (Volk em alemão), abstratamente concebido, como o repositório mais puro da nacionalidade alemã.10 Anti-liberais e anti-modernos, os adeptos do romantismo völkish (que também podem ser classificados como nacional-populistas ou etno-nacionalistas) repudiavam a democracia e o pluralismo cultural no interior do mundo alemão, portando implicitamente uma concepção autoritária e organicista da ordem político-social a ser instituída em um futuro estado nacional que englobasse a totalidade das populações de língua e cultura germânicas. Diferenciavam-se, portanto, do conservadorismo estatista tradicional, então hegemônico junto aos círculos dirigentes dos estados alemães, por seu "populismo" völkish, de onde recolhiam o fundamento "étnico da nacionalidade alemã" e por seu pangermanismo, em outras palavras, devido a seus componentes "utópicos". Tais ingredientes suscitavam a desconfiança das elites aristocráticas daqueles estados, avessos a qualquer concepção que identificasse no povo, e não nas dinastias legítimas, o componente fundamental do Estado. Além disso, a utopia pangermânica sensibilizava muito pouco os setores políticos e sociais envolvidos em uma áspera luta pela hegemonia no interior do mundo alemão.

Ocorre que o fracasso das tentativas de unificação da totalidade do mundo germânico em uma Alemanha, antes, e mesmo depois de 1871, contribuiu para a limitação do alcance do romantismo völkish enquanto projeto político de organização do Estado. Em tais condições, as concepções estatistas conservadoras, tradicionalmente compartilhadas pelos círculos aristocráticos, preservariam sua hegemonia, não obstante o assédio das novas concepções arroladas e a ausência de refinamento de seu discurso.11 Por outro lado, o caráter anti-democrático e organicista do romantismo nacionalista propiciava, a despeito de seus componentes "utópicos" e "populistas", uma fácil aproximação em direção ao conservadorismo estatista das classes dirigentes.

Destarte, os ecos deste romantismo völkish, conquanto politicamente derrotado no movimento de unificação da Alemanha, ressurgiriam atualizados na República de Weimar através das obras de autores como Friedrich e Ernest Jünger, Carl Schmitt, Werner Sombart, Oswald Spengler e Martin Heidegger. A principal função destes intelectuais de direita era demonstrar que a idealização das virtudes inatas do Volk alemão poderia conviver com o culto da autoridade estatal e a apologia da modernização industrial e tecnológica. Era o Modernismo Reacionário, corrente intelectual que, ao reunificar as três principais vertentes do pensamento de direita alemão, prepararia as condições espirituais para o triunfo do nacional socialismo. Assim como seus antecessores völkish do século XIX, os modernistas reacionários desprezavam as tradições radicadas do iluminismo: o pensamento calcado na razão, o materialismo, a noção de luta de classe, o cosmopolitismo liberal, a democracia representativa e o socialismo. Vislumbravam a existência de dois tipos de comunidades nacionais, aquelas baseadas na unidade do sangue, no ímpeto das energias primordiais e na vida e as que se fundavam no intelecto, na individuação e na multiplicidade. Valorizavam as primeiras em detrimento das segundas, conduzindo suas formulações ao limite do anti-intelectualismo e da reprovação daqueles que, segundo eles, "traíam o sangue com o intelecto", preconizando, em lugar disso, "pensar com o sangue". Rejuvenecidos pelo contato com o esteticismo voluntarista de Nietzsche, o social-darwinismo e pela Fronterlebnis (experiência do Front),12 militaram na linha de frente de defesa da völkish Kultur alemã, germinada na força do sangue, da raça e do destino germânicos, contra as conspurcações da Zivilisation desenraizada, sem alma, artificial. Ideologia de vanguarda no campo da política da direita na época de Weimar, o modernismo reacionário de matriz völkish definiu as balizas essenciais da cultura conservadora germânica do século XX, antecedendo, preparando o terreno, enriquecendo o acervo ideológico do nacional socialismo e, sobretudo, sobrevivendo subliminarmente no vasto território da consciência conservadora austríaco-alemã.

Mas do que as ligações pretéritas de Haider com o nazismo, a opinião democrática e humanista tem um fantasma mais assustador a temer: o romantismo völkish, cuja Weltanschauung13 antecede e engendra o nazismo e cuja nostalgia ressurge como uma revivescência atávica no charme sombrio de Jörg Haider.

É, portanto, numa relação de proximidade e distanciamento sucessivos que se realiza a relação do Partido da Liberdade com a versão germânica do fascismo. Referências ideológicas comuns não conduzem necessariamente às mesmas escolhas, mas recomendam a vigilância sobre os desdobramentos futuros da interação com este mesmo legado cultural. Além disso, uma outra questão mantém sua pertinência: no momento em que refletimos sobre as possíveis convergências entre Haider e Hitler, é necessário lembrar que aquele que viria a ser chanceler do Reich teve como sua principal realização histórica o fato de haver operado a síntese necessária, aos olhos do setor mais dinâmico e agressivo das classes dirigentes alemãs, entre a tradição e os desafios de seu tempo. Foi responsável também pela materialização, em sua mais profunda radicalidade, daquilo que os precursores völkish e os antecessores modernistas reacionários apenas haviam idealizado. Resta saber se Haider possuirá o mesmo talento sinistro de seu célebre compatriota, ligando, numa nova síntese, o passado e o futuro do establishment hegemônico de seu país: a nostalgia völkish e o neoliberalismo. Se assim fizer, estará revivendo Hitler sem precisar reclamar suas idéias, pois a condição indispensável para emular o autor do Mein Kampf na virada do século XXI é conseguir captar o Zeitgeist (espírito da época) da vanguarda reacionária germânica da atualidade e atuar de acordo com seus anseios e imperativos.

 

Conclusão: Deve-se temer Haider?

Nas linhas anteriores procurei complementar brevemente o acervo de informações via de regra disponibilizado pela grande imprensa brasileira ao leitor de nosso país acerca da trajetória de algumas idéias e práticas do FPÖ e de seu controvertido líder, Jörg Haider. Falta ainda situar, também sumariamente, o sentido do que pode vir a representar um governo FPÖ nos marcos do sistema europeu de segurança e das relações internacionais. A primeira pergunta que surge é: que risco uma Áustria sob a hegemonia dos partidários de Haider pode representar à paz e à estabilidade do sistema internacional? Não é preciso ser um especialista para perceber que um país de dimensões territoriais reduzidas como as da Áustria, sem frota naval, sem armas nucleares e com apenas dez milhões de habitantes não pode, em primeira instância, oferecer qualquer ameaça internacional séria. Já vai longe o tempo do Império dos Habsburgo (a maior entidade territorial da Europa até fins do século XIX), quando os mandatários de Viena possuíam poder suficiente para patrocinar diretamente a estruturação de um sistema internacional.14 No entanto, apesar de sua irrelevância aparente, a Áustria ocupa uma posição geopolítica fundamental. Situada entre a Europa Ocidental e a Oriental, separando o sul da Alemanha da região balcânica, a Áustria representa um pilar crucial para a manutenção da estabilidade na entrada da mais delicada região européia do ponto de vista estratégico: os Bálcãs. Pela Áustria passa uma das linhas de cisão que demarca as novas condições do conflito leste-oeste: aquela que separa um ocidente opulento, moderno e estável de um leste destruído, caótico e explosivo, capaz de incendiar o continente e desestabilizar o mundo. Vista sob esta ótica, a Áustria pode vir a ser chamada a desempenhar mais uma vez, sobretudo no imaginário das elites ocidentais, o papel de contenção contra as ameaças do Leste, tal como aconteceu na resistência ao avanço turco sobre a Europa do século XVI. Por outro lado, é precisamente na área oriental e balcânica que a Áustria ensaia seus passos no sentido de resgatar um pouco da influência e da capacidade de exercer seu poder no sistema internacional. Tais exercícios limitados de hegemonia têm se realizado em sintonia com a projeção da influência da outra potência germânica, a Alemanha, em toda a área euro-oriental e mesmo sobre a antiga União Soviética, não poucas vezes, concorrendo e conflitando com ambições hegemônicas de seus parceiros ocidentais, nomeadamente a França e a coalizão anglo-saxônica. Exemplo palpável disto foi a interferência direta austro-alemã na secessão esloveno-croata, sua penetração econômica conjunta na Albânia e o seu apoio à guerrilha albano-kossovar. Em outras palavras, pode-se vislumbrar a existência de uma coligação germânica na construção de uma nova ordem balcânica, na qual ela se propõe a substituir ali a histórica influência russa. Aspiração que, num passado não muito remoto, levou à eclosão da Primeira Guerra Mundial. O que se pode temer, portanto, é que uma coalizão austro-alemã, na qual o triunfo de Haider esboça a ressurreição do fantasma da nostalgia völkish, seja contaminada amanhã pelo passadismo imperial. E que uma vez realizada tal simbiose, esta busque, na atração irresistível que os capitais e o Estado alemães sempre sentiram pelo Leste, o combustível perfeito para uma aceleração da escalada hegemônico-expansionista atualmente ensaiada pela Alemanha e pela Áustria naquela parte do mundo. Tal movimento tenderia a lesar os interesses econômicos e estratégicos das demais potências ocidentais na região e afrontaria, inexoravelmente, as suscetibilidades russas, produzindo um quadro de perigosa e imprevisível deterioração da atmosfera internacional.

A pergunta que se coloca para o resto do mundo é: conseguirá o ocidente impor à Áustria o comportamento que lhe é conveniente ou enveredará esta última e sua vizinha Alemanha, pelos caminhos da criação de novas arestas em uma região delicada do mundo? Perguntas que se mostram particularmente difíceis de serem respondidas enquanto não se decifrar a totalidade do enigma proposto por aquele que, para alguns, se apresenta como o mais recente candidato a sucessor do cérebro maligno do 3o Reich.

NOTAS

1 - Em alemão, Österreicher Volkspartei.

2 - Idem, Freiheitliche Partei Osterreiches.

3 - Uma análise deste processo pode ser encontrada no texto de H. W. Koch, "1933: The Legality of Hitler's Assumption of Power", in H. W. Koch (organizador) Aspects of the Third Reich. Londres, Macmillan, 1988.

4 - A emblemática carta que Morton Pomerantz, membro do Movimento Pela Reforma do Judaísmo e ex-capelão da Associação de Judeus Veteranos de Guerra dos Estados Unidos, é um documento singular. Em suas páginas o rabino norte-americano defende Haider da acusação de nazismo, fazendo abstração de suas conexões com os grupos neonazis e minimizando o peso de seus elogios à política econômica de Hitler e à suposta honra dos carrascos das SS. Elogia as posturas de Haider em defesa do "livre mercado, defesa nacional e uma política cultural e de imigração para manter a Áustria austríaca", reivindicando sua inclusão no marco da política conservadora das demais potências ocidentais. Em seguida, arremete virulentamente contra a "esquerda radical", única beneficiária, segundo ele, dos ataques contra a coalizão ÖVP-FPÖ. Denuncia a tolerância do ocidente para com o regime de Castro em Cuba e com os comunistas em seus próprios parlamentos. Ataca Israel por romper relações com a Áustria ao mesmo tempo em que negocia com Arafat e com a Síria. Trata-se de um texto que merece ser lido, pois é um registro da degenerescência política e moral a que chegou um representante da direita sionista na virada do século XXI, por isso forneço aqui o endereço do site: http://www.newsmax.com/articles/?a=2000/2/7/51335  .

5 - Citações extraídas da obra de Yves Camus, Les Extrémismes en Europe. Paris, Editions de lÄube, 1998, passim.

6 - Após as eleições parlamentares do outono de 1996, em que o FPÖ obteve uma excelente votação que variou de 25 a 30%, para a escolha dos representantes austríacos no Parlamento Europeu e na Câmara Municipal de Viena, a escalada de Haider rumo à chancelaria foi obstada pela eclosão de um escândalo referente ao desvio de milhões de dólares do fundo de campanha por um ex-parlamentar do partido, o qual fugiu da Áustria com indicações de que viria se refugiar no Brasil. Ver artigo publicado por Susan Ladika na revista Europe, edição no. 378, de Julho de 1998, p. 3.

7 - Um dos partidos social-democratas mais representativos do mundo, o SPÖ, apesar da perda de cadeiras da última eleição, obteve 33% dos votos, permanecendo como o maior partido político austríaco isoladamente. Seus dirigentes estimam em 800 000 o número de seus filiados, o que corresponde a 8% da população da Áustria.

8 - As formulações de Herder encontram-se expostas principalmente no livro: Auch eine Philosophie der Geschite zur Bildung der Menscheit. Frankfurt, Suhrkampf Verlag, 1967.

9 - Tal caracterização é sugerida pela interpretação das idéias destes autores desenvolvida na obra de Hans Kohn, The Mind of Germany: The Education of a Nation. Londres, Macmillan, 1961.

10 - O recrudescimento racista, autoritário e conservador destas noções, geraria, no seu desenrolar, uma ideologia nacional-populista (völkisch, em alemão) que hegemonizaria o pensamento da direita germânica no final do século XIX, constituindo uma das principais inspirações ideológicas do posterior movimento nacional-socialista. Sobre a evolução da ideologia völkisch ver DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira, Europa ou o concerto das nações. Idéias conservadoras e política internacional na obra de Leopold Von Ranke. (Tese de Titularidade), Rio de Janeiro, UFRJ, 1993.

11 - Faz-se necessário observar que as tendências nacionalistas românticas não desapareceriam do cenário intelectual alemão, ao contrário, conheceriam uma longa carreira . Do ponto de vista político, compareceriam no interior da Kulturkampf, convocada por Bismarck às vésperas da unificação, persistiriam no programa dos partidos conservadores do Império Hohenzollern e da República de Weimar e adquiririam caráter furibundo no NSDAP de Hitler. No plano artístico, atingiria seu apogeu na obra de Richard Wagner e no âmbito intelectual estaria presente na obra de Leopold Von Ranke. Este último, historiador e estudioso das relações internacionais em pleno século XIX, utilizaria os conceitos de Staatsvolk e Kulturnation, denotando uma comunhão entre língua, literatura e religião sob um princípio estatal dinástico e soberano, para distinguir os "povos com vocação a estado" dos demais. Cf. RANKE, Leopold V. Über Die Epochen Der Neueren Geschichte. Vortrege Dem Könige Maximilien II Von Bayer Im Herbst 1854 Zu Berchtesgaden. Leipzig, Duncker und. Humblot. 1899, pp. 51 e ss. Apud, DA SILVA, Francisco Carlos Teixeira, op. cit.

12 - Alguns "modernistas reacionários", em particular Ernest Jünger, que fora militar e combatera nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, identificavam na solidariedade construída no front, nos laços de sangue instituídos entre os combatentes e no heroísmo patriótico dos que se sacrificaram pela Alemanha as bases para a reconstrução da unidade da nação alemã. Não é preciso enfatizar aqui em que medida tais formulações antecipam o discurso de Hitler e seus seguidores. Sobre a vida e as idéias de Jünger e outros modernistas reacionários ver, HERF, Jeffrey, O modernismo reacionário. São Paulo, Editora Ensaio, 1993.

13 - Em alemão, concepção de mundo, ideologia.

14 - Refiro-me ao sistema internacional da Convenção de Viena, o qual, instituído ao cabo das guerras napoleônicas, presidiu as relações entre os estados europeus até o início da Primeira Guerra Mundial. O Império Austríaco foi seu principal idealizador e defensor até seus extertores.