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HOMENS DE NEGÓCIO
Furtado, Júnia Ferreira. 
Homens de negócio: A interiorização da metrópole e do 
comércio nas minas setecentistas
. São Paulo, HUCITEC, 1999.

Resenhado por Ricardo Moreno

(Mestrando em História pela Universidade Federal da Bahia)

 

Parece-me ponto comum, quando falamos das relações entre Brasil e Portugal, sermos imediatamente conduzidos a pensar no conflito de interesses que os envolveu no período colonial, um viés bastante explorado entre os historiadores. A tentativa de construir uma linha de análise diferenciada, que busque ampliar a compreensão acerca da penetração da metrópole no interior da colônia, é o objetivo de Júnia Furtado no livro Homens de Negócio. Através de correspondências trocadas entre um grande comerciante português e seus prepostos nas Minas Gerais, Júnia procurou revelar os mecanismos utilizados pelos metropolitanos para chegar ao interior brasileiro através da formação de redes privadas de comércio e pela construção de uma política de relacionamento entre a coroa e esses agentes privados.

A autora, Professora Adjunta do Departamento de História na Universidade Federal de Minas Gerais e Doutora pela Universidade de São Paulo, desenvolve pesquisas que trazem como cenário as minas no período colonial. Um cenário privilegiado para se compreender diversos aspectos da formação do Brasil, pois, com o descobrimento do ouro nesta região ao final do século XVII, acelerou-se o estabelecimento de novas rotas comerciais que visavam o abastecimento da zona mineira, levando a uma confluência de vários interesses entre os colonos e os metropolitanos que ali se enraizaram e operando uma série de transformações no país.

Em Homens de Negócio, Júnia Furtado procura mostrar que esses metropolitanos que se enraizaram na terra, deixaram de atuar como homens da metrópole e passaram a se confundir com os próprios colonos. Isto por que eles se atrelaram a uma série de atividades: mineração, agricultura e pecuária. Pediam sesmarias, levantavam engenhos, abriam lojas e adquiriam escravos, multiplicando com isso os seus lucros.

Esses homens foram atraídos pelas notícias da descoberta do ouro nas minas e promoveram o maior fluxo populacional de Portugal para o Brasil desde a oficialização do domínio das terras nacionais pela coroa portuguesa. A diferença entre este momento e todo o período anterior com relação à ocupação do território nacional estava no fato de que ao invés dos grandes investimentos que foram exigidos para o estabelecimento do latifúndio escravista no litoral, a atividade mineira dependia de um capital bem inferior, o que acabou se constituindo em um grande atrativo para homens de pequeno poder investidor.

A maioria desses aventureiros eram cristãos novos, que tiveram na época da política pombalina de dinamização do comércio português a mediação entre o seu poder econômico e a perseguição anti-semita que barrava a sua inserção social. Foi justamente a atividade comercial desta maioria que se constituiu no grande mecanismo de interiorização da metrópole.

Paradoxalmente aos interesses do estado metropolitano, o avanço dessas iniciativas privadas prejudicava o exercício da dominação estatal portuguesa nas regiões das minas. A legislação excessivamente autoritária só revelou a preocupação da Coroa com o descontrole ali existente. As possibilidades de assentamento de laços de coerção eram dificultadas pela distância que separava a região das minas das áreas litorâneas da colônia, bem como de Portugal.

Essa dificuldade de ação por parte das autoridades levava as pessoas a fazerem justiças com as suas próprias mãos, além disso, o poder metropolitano fora levado a aliançar-se com os potentados privados que se firmaram nos sertões das gerais visando chegar a recantos ainda não desbravados, o que limitava ainda mais a imposição da ordem do estado no interior, uma vez que o papel da coroa era substituído por essas forças particulares.

O lucrativo comércio para as minas envolveu rotas que as ligava principalmente aos portos do Rio de Janeiro e Bahia, destacando-se o tráfico de escravos como a atividade mais lucrativa. Dos currais da Bahia e do Rio das Velhas vinham boiadas e cavalgaduras; do porto do Rio de Janeiro vinham alimentos, roupas, armas, bugigangas que chegavam da Europa e escravos vindos da África. Ao destacar essa dinâmica, Júnia Furtado se associa aos estudos historiográficos que revelam que paralelo ao comércio externo, desenvolveu-se uma rede interna que o complementava, baseada na agricultura de alimentos, pecuária, engenhos e produção de tecidos.

Toda esta atividade comercial marcou o surgimento da vida urbana mineira, caracterizada pelo imenso plantel de escravos e de um dinâmico setor terciário. Sendo que, em meados do século, o negócio dos metais e de gemas preciosas não ocupavam mais do que um terço da população.

Uma das limitações observadas no trabalho de Júnia Furtado, é o fato dela não ter aprofundado em sua análise o papel dos negros, libertos e colonos na formação da sociedade mineira, uma vez que esses não apenas engrossaram o plantel de escravos e trabalhadores livres voltados à exploração mineral, mas também compunham a vida urbana e o setor terciário, somando-se assim ao quadro social da ocupação do interior brasileiro. Além disso, deve-se atentar para o fato de que a ocupação das Minas Gerais não se deu de maneira uniforme, os conflitos entre paulistas e baianos, que descambaram na Guerra dos Emboabas, levou a um processo de formação de poder característico na região noroeste das minas, que guarda em si determinadas particularidades que não devem ser tomadas como modelo único estabelecido em todo o território.

Ao analisar a guerra dos emboabas, Júnia Furtado reproduz uma leitura que toma partido pelas razões dos reinóis paulistas, leitura esta centrada principalmente na abordagem de Sérgio Buarque de Holanda. Este é outro aspecto que devemos estar atentos, pois o conflito ocorrido no início do século XVIII se deu em torno de interesses particulares, visto que os baianos que controlavam o comércio de abastecimento de produtos alimentares básicos para as minas alegavam estar defendendo o território pertencente ao morgadio da família Guedes de Brito, enquanto que os paulistas alegavam o fato da descoberta das minas. Ambos atuavam enquanto potentados privados, o que levou a Coroa a aliar-se às vezes a um dos lados, outras, recompondo-se com o outro, visto que os metropolitanos reconheciam a importância desses reinóis para o estabelecimento da ocupação no interior da colônia.

São com esses elementos que Júnia Furtado tenta chamar a atenção para a necessidade de melhor estudarmos as condições internas da colônia para compreendermos de forma mais ampla a formação da nacionalidade brasileira. Apesar de apresentar limitações como a de expor uma falsa uniformidade sobre a ocupação do território mineiro, não ter aprofundado a análise sobre a contribuição de escravos, libertos e colonos na formação dessa sociedade e de reproduzir uma leitura limitada, que reforça a ótica de reinóis paulistas, elaborada por Sérgio Buarque de Holanda a respeito da guerra dos emboabas, o livro Homens de Negócio - a interiorização da metrópole e do comércio nas minas setecentistas é uma obra que contribui significativamente para melhor entendermos as relações metropolitanas na América portuguesa.